domingo, 7 de fevereiro de 2010

"Il Divo", Giulio Andreotti

Gosto de partilhar algumas coisas e alguns prazeres. Ontem, fiquei em casa a deliciar-me com "Il Divo", um filme italiano de Paolo Sorrentino, candidato em Cannes, sobre uma personagem que considero fascinante e obscura, Giulio Andreotti.

O trabalho de composição da sua figura é magistral, a famosa corcunda, os gestos, as mãos, o andar de um homem que marcou décadas de influência e poder no país da bota.

A sua côrte em festas brasileiras e com belas mulheres, ele, beato, austero com os seus silêncios e uma ironia profunda. Mas na sua relação com Deus é logo citado o grande jornalista Indro Montanelli: «De Gasperi e Andreotti iam à missa juntos. Todos pensavam que faziam o mesmo, mas não era verdade. Na Igreja, De Gasperi falava com Deus, Andreotti com o padre». Andreotti comenta: «os padres votam, Deus não».

Neste filme perpassa tudo aquilo que acompanha o poder, não me refiro apenas a manobras maquiavélicas, mas à solidão. Quanto às manobras um momento dele é fantástico: «Tenho sentido de humor. E tenho também outra coisa: um grande arquivo no lugar da imaginação. Sempre que menciono o arquivo aqueles que se deviam calar fazem-no, como que por magia».

Andreotti nunca beijou a mãe, era frio, não mostrava afectos, era incapaz da compaixão porque para ele «só existe a política». «Não acho que se possa dividir a humanidade entre anjos e demónios. todos somos pecadores medianos».

No filme pululam as máximas e aforismos do "divino Júlio" (uma das suas alcunhas) a propósito. »Se queremos guardar um segredo, nem a nós próprios o podemos confessar. Não podemos deixar rasto». «A ironia é a melhor cura contra a morte. As curas contra a morte são sempre atrozes».

Um homem que fazia o mal para colher o bem e que levou o seu mentor Alcides De Gasperi (fundador da Democracia Cristã em Itália) a dizer sobre ele: «ele é tão capaz de tudo, que pode ser capaz de qualquer coisa»

E que cultivou a construção da sua imagem (algo sobre que escreverei esta semana). «Sempre preferi que me vissem como um homem culto e não como um grande estadista»

E na sua ironia refinada confessa um padre: «uma vez recebi um telefonema a dizer que me iam matar no dia 26 de Dezembro. Eu agradeci, assim podia passar o Natal em paz».

Um filme que rcomendo sobre o labirinto da influência e um homem, estranho e difícil, e a sua relação com o poder.

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