segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Sugestões para a semana

Livros

O Anjo Pornográfico, Ruy Castro, Tinta da China, 510 páginas. Uma das edições do ano, a biografia do tão excepcional como polémico criador de "A Vida como ela é". Os seus traços mais marcantes e as suas polémicas e "boutades" estão cá todas. É uma delícia como é habitual em Ruy Castro, provavelmente o melhor retratrista de grandes brasileiros e do Rio de Janeiro.

A História de uma Serva, Margaret Atwood, Bertrand Editora, 351 páginas. Tive enorme curiosidade em ler o livro que deu o prémio de Emmy para a melhor série do ano. A América chama-se Gileade, uma sociedade algumas mulheres têm crianças para outras mulheres estéreis. A liberdade está amputada e novos preceitos mataram a Constituição. è muito interessante e aguça o apetite para vermos no ecrã.

O Homem que perseguia a sua sombra, David Lagercrantz, D. Quixote, 386 pág. Esta é a quinta entrega da muito popular saga Millenium. O problema é que já não há Stieg Larsson. Há Lisbeth Salander, há Mikael Blomkvist, mas a trama é muito simples e facilmente se adivinha o que mata o "suspense".

Cinema

No TVC 2 anda um dos melhores filmes pouco vistos do ano passado: "Suburra", de Stefano Sollima, o realizador da série Gomorra que passou o ano passado na RTP2-
também no TVC2 podem ver na quarta às 22h um dos melhores filmes do ano: "Aquarius", de Kleber Mendonça filho com Sonia Braga num excepcional papel.

Séries

A acabar mais uma grande série na RTP2, "1993", continuação da soberba "1992", que retrata a ascensão de Silvio Berlusconi e da Liga Norte, recomendo que consigam ver "The Deuce", mais uma superlativa ficção criada por David Simon, o autor de "The Wire" e "Treme", anda no TVSéries.
A estreia da semana é a segunda temporada da muito aclamada pela crítica "Thus is Us" na fox life na quinta

Documentários

Sugiro que apanhem no TVC2 dois documentários sobre cinema: "Hitchcock e Truffaut", sobre o grande mestre e influenciador dos cineastas que passaram pelos "Cahiers du Cinema" e "A vida e os filmes de Ken Loach", sobre o último realizador assumidamente de esquerda, com uma carreira longa, por vezes intermitente, mas onde "Kes" e "Eu, Daniel Blake" são obras-primas.

domingo, 24 de setembro de 2017

A mulher de César não aceita viagens pagas

Tem sido um fartote de notícias sobre viagens pagas a altos quados políticos e da administração pública, um nervosismo latente em muitos que também usufruíram do mesmo tratamento e ainda mais uma série de fontes que andam a espalhar uma série de nomes que ainda não vieram à tona.
O problema de toda esta triste questão é um dos maiores da democracia portuguesa: a falta de transparência. Tudo é opaco, tudo decorre sob um manto protector de silêncios que interessa a todos e as sombras sobrepõem-se ao caminho da ética e legalidade. Talvez por isso, apesar de algumas tentativas positivas, o lobby ainda não esteja legalizado em Portugal.
E sabem porquê? Porque os maiores “lobistas” são os políticos e não lhes interessa que essa actividade seja autenticada e transparente. Eu defendo há muito o seu reconhecimento profissional, porque evita nebulosas e clarifica quem trabalha nesta área sem tabus nem constrangimentos.
Em 2014, com a credibilidade da sua marca, o Financial Times publicava um ranking de quais as empresas que mais davam dinheiro para campanhas políticas nos Estados Unidos – ali, apesar de muitos tumultos, as coisas são transparentes neste capítulo – e o Google já gastava mais em lobby e em donativos, uma actividade normal em sociedades avançadas e democráticas, que o banco mais influente do mundo: o Goldman-Sachs.
Vamos ser claros, e no que toca às viagens pagas pela Galp, Oracle, NOS e Huawei, não estão em causa campanhas políticas: as empresas têm todo o direito de convidar quem bem entenderem para mostrar as suas mais-valias, os seus novos produtos, a sua capacidade técnica, a sua inovação. Depois, cabe ao bom senso de cada um, e consoante o cargo que ocupam, dizer sim ou não aos convites que recebem.
A imprensa está a fazer o seu trabalho e a dar as notícias que devem ser do conhecimento público. Mas vamos também pensar nela: quantos jornalistas já viajaram a convite das empresas sobre as quais vão escrever (e hoje já há jornais que dão, e bem, essa informação aos leitores), quantos já receberam bilhetes para concertos e jogos de futebol das mesmas, e quantos andam pelas tendas VIP de festivais? Tenho a certeza que nenhum jornalista se deixa influenciar sobre o que escreve com os brindes, vales, convites e viagens que recebe e por isso não deve haver qualquer mancha a descredibilizar o seu trabalho.
Dou mais três exemplos: jornalistas que escrevem sobre literatura e cinema recebem livros e assistem a ante-estreias dos filmes. Tenho a certeza, e isso é bem evidente nas suas peças, que têm a liberdade para criticarem e elogiarem segundo o seu padrão de gosto e conhecimento. E a indústria automóvel que convida quem escreve sobre ela para os salões-automóvel, para as fábricas onde mostram as suas novidades e protótipos? Também convida e paga viagens.
A grande questão que ensombra os casos que têm vindo a público é saber se as empresas lucraram ilegalmente com o seu “investimento” e se os decisores foram influenciados ilicitamente pelas mesmas e ainda ganharam pela porta do cavalo mais alcavalas pela decisão que tomaram, se a tomaram em prol de quem lhes pagou essas oferendas. E aí reside o problema da sociedade portuguesa que já mencionei: a opacidade de procedimentos na tomada de decisões. Nunca se esqueçam da mulher de César, ela nunca poderia aceitar viagens pagas, a ela não basta ser séria, tem de parecer séria. Haja transparência, todos temos a ganhar com isso.

Eu odeio, eu odeio, eu odeio

Tempos difíceis estes em que não podemos andar na rua, enquanto viajamos, sem ter medo do que pode acontecer a qualquer momento saído da cabeça de um fanático qualquer. Com o fim das ideologias, com o esbater de diferenças entre blocos políticos, a seiva que alimenta as sociedades modernas parece estar a ser marcada pelo ódio.
E não é apenas nas questões do terrorismo, onde qualquer lobo solitário não tem pejo de matar gente inocente e que nada tem a ver com a intolerância que grassa. É, diariamente, que sentimos a ira, o ódio sem razão, os ataques cerrados a tudo e a todos muitas vezes sem qualquer fundamento. As redes sociais libertaram os conteúdos mas exacerbaram a irracionalidade e muitas vezes os media vão atrás da boçalidade, da anormalidade, da ignorância. E fazem notícia de comentários de gente anónima em redes sociais que decidem arrasar figuras públicas.
«A repulsa pelo matar em conjunto é muito recente. Convém não a sobrestimar. Ainda hoje, cada um toma parte em execuções públicas através do jornal. A coisa tornou-se, simplesmente, muito mais cómoda, como tudo o mais», Elias Canetti, “Massa e Poder”. O autor de origem búlgara escreveu no início do século XX. Naquele tempo não havia ainda redes sociais. Juntem os linchamentos dos jornais, às partilhas e opiniões nas redes sociais e temos a arte de matar no século XXI.
Sim, há gente que usa as redes sociais com pulsões destruidoras. Hoje em dia, é muito complicado alguém pensar, escrever e dizer qualquer coisa. É preciso estofo, algum sangue-frio e muita autoconfiança para dar opinião sólida, consistente, porque, tal como um qualquer terrorista mata sem piedade, há alguém que nada sabe e na certeza da sua ignorância dispara para matar apenas porque odeia.
A sociedade moderna perdeu o respeito tal como perdeu referências. Não há vergonha de ostentar a idiotice. A ignomínia tem assustado muitas pessoas de bem. A liberdade é fantástica quando a sabemos usar, não tem preço, é um valor imensurável, mas a liberdade não é libertinagem, é respeito e tolerância para com o outro em primeiro lugar.
Tal como não gosto, ninguém gosta, de carnificinas, repudio veementemente o abate de reputações sem critério e sem justificação. O problema é que não há neste caso entidades que nos protejam, a não ser apenas o nosso bom senso não dando azo nem espaço a quem usa mal as redes sociais. Mas cabe aos media, e ao velho papel do gate-keeper, de separar o trigo do joio, não insuflando o que não presta.
Há uns anos, um senhor chamado João Serra, que todos se lembram por ser o «senhor do adeus», ia para vários pontos de Lisboa acenar aos carros que passavam. Dizia adeus para matar a solidão. Era um gesto de comunicação, de simpatia, de um bom ser humano. Parece quase impossível haver bondade actualmente, porque o ódio grassa sem limites. «Eu odeio, eu odeio, eu odeio», apenas porque sim, e mais nada, parece ser o mantra de muitos que nada têm para acrescentar ao mundo. Um péssimo sinal dos tempos.