E não é apenas nas questões do terrorismo, onde qualquer lobo solitário não tem pejo de matar gente inocente e que nada tem a ver com a intolerância que grassa. É, diariamente, que sentimos a ira, o ódio sem razão, os ataques cerrados a tudo e a todos muitas vezes sem qualquer fundamento. As redes sociais libertaram os conteúdos mas exacerbaram a irracionalidade e muitas vezes os media vão atrás da boçalidade, da anormalidade, da ignorância. E fazem notícia de comentários de gente anónima em redes sociais que decidem arrasar figuras públicas.
«A repulsa pelo matar em conjunto é muito recente. Convém não a sobrestimar. Ainda hoje, cada um toma parte em execuções públicas através do jornal. A coisa tornou-se, simplesmente, muito mais cómoda, como tudo o mais», Elias Canetti, “Massa e Poder”. O autor de origem búlgara escreveu no início do século XX. Naquele tempo não havia ainda redes sociais. Juntem os linchamentos dos jornais, às partilhas e opiniões nas redes sociais e temos a arte de matar no século XXI.
Sim, há gente que usa as redes sociais com pulsões destruidoras. Hoje em dia, é muito complicado alguém pensar, escrever e dizer qualquer coisa. É preciso estofo, algum sangue-frio e muita autoconfiança para dar opinião sólida, consistente, porque, tal como um qualquer terrorista mata sem piedade, há alguém que nada sabe e na certeza da sua ignorância dispara para matar apenas porque odeia.
A sociedade moderna perdeu o respeito tal como perdeu referências. Não há vergonha de ostentar a idiotice. A ignomínia tem assustado muitas pessoas de bem. A liberdade é fantástica quando a sabemos usar, não tem preço, é um valor imensurável, mas a liberdade não é libertinagem, é respeito e tolerância para com o outro em primeiro lugar.
Tal como não gosto, ninguém gosta, de carnificinas, repudio veementemente o abate de reputações sem critério e sem justificação. O problema é que não há neste caso entidades que nos protejam, a não ser apenas o nosso bom senso não dando azo nem espaço a quem usa mal as redes sociais. Mas cabe aos media, e ao velho papel do gate-keeper, de separar o trigo do joio, não insuflando o que não presta.
Há uns anos, um senhor chamado João Serra, que todos se lembram por ser o «senhor do adeus», ia para vários pontos de Lisboa acenar aos carros que passavam. Dizia adeus para matar a solidão. Era um gesto de comunicação, de simpatia, de um bom ser humano. Parece quase impossível haver bondade actualmente, porque o ódio grassa sem limites. «Eu odeio, eu odeio, eu odeio», apenas porque sim, e mais nada, parece ser o mantra de muitos que nada têm para acrescentar ao mundo. Um péssimo sinal dos tempos.
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