Marcelo Rebelo de Sousa mantém uma popularidade inabalável, mas perdeu o estado de graça pois está a «ficar mal com todas as forças políticas», como esta semana disse Pedro Santana Lopes, que tem elogiado vastíssimas vezes o Presidente da República (PR), no seu comentário na SIC. Quais são então as razões para o sortilégio de ter começado o tiro a Marcelo?
Por um lado, muitos eleitores do PSD entendiam que ele não demoraria muito tempo a desfazer a geringonça, criando a oportunidade para que Passos Coelho voltasse ao poder. E não convivem bem com o facto de um seu militante e ex-líder seja o maior apoiante da solução governativa congeminada por António Costa, um apoio que funciona quase como um salvo-conduto para a legitimidade que não obteve directamente com uma vitória nas urnas.
Por outro lado, entre PS-PCP-BE, que sempre elogiaram a maré de paz e uma coabitação quase perfeita com Belém, caiu mal a intervenção de Marcelo no caso Centeno, sentindo que um Presidente não deve interferir na acção governativa. Sejamos claros: um PR não existe para deitar Governos abaixo, mas sim para ser um vigilante activo das instituições democráticas, criar um ambiente saudável dos portugueses relativamente aos poderes públicos e gerar consensos para que tudo corra bem a Portugal.
«Um filme só com clímaxes é como um colar sem fio, desfaz-se. É preciso ir construindo até nos grandes momentos. E às vezes devagar». Estas palavras são de “The Bad and the Beautiful” (Cativos do Mal, em português), um filme de Vincente Minnelli. É que a presidência de Marcelo é diariamente uma construção de clímaxes, simpáticos, afectivos, até ao dia em que surge o verdadeiro momento de confronto institucional e, aqui, nem a sua enorme popularidade lhe traz qualquer almofada de conforto numa querela com todos os interlocutores partidários.
Ao contrário dos ultramontanos sociais-democratas, eu não tenho quaisquer saudades de Cavaco Silva e muito menos da sua rede clientelar do cavaquismo que ungiu uma série de medíocres e os transformou em milionários. Mas cumpre a Marcelo entender que já não é comentador, é o Chefe de Estado. Que um abraço a quem precisa é tão significativo como dar uma palavra mais dura, mas sem interferir no normal trabalho diário das instituições.
Porque Marcelo não demite ministros, isso cabe ao Primeiro-Ministro, a ele compete apenas aceitar a sua designação ou demissão sob proposta de António Costa. E é tempo de perceber que tem de vestir as vestes franciscanas do recato mediático mais vezes.
No “Sacrifício”, de Andrei Tarkovsky, perguntava-se: «É difícil viver no silêncio?». Claro que é. E nestes tempos de turbilhão de novidades ao segundo das redes sociais ainda mais. Mas o silêncio é uma das melhores armas em comunicação. Porque é muito difícil combatê-lo e arranjar argumentos contra ele. Chegou o momento de Marcelo fugir aos microfones, sob pena de se tornar o maior inimigo de si próprio.
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