sábado, 12 de maio de 2012

O meu adeus de infância ao Bernardo Sassetti

Nunca é bom sinal quando a minha mãe me liga de dia. Senti que ela estava a tremer ao telefone, por isso era notícia triste que aí vinha. Não esperava que o Bernardo partisse tão cedo, pois tanto tinha ainda para dar.

Vi magníficos textos de personalidades da nossa cultura, ontem, sobre os seus últimos 25 anos de vida, onde a sua carreira fica como um marco indelével para a música portuguesa, ele que tinha tudo escrito nas estrelas para ser um génio. E já o era.

As minhas palavras são sobre os seus primeiros 15 anos de vida. Foi o meu melhor amigo na ´pré-primária e primária, numa escola privada, à antiga, e tanto que elas fazem falta, a Escola de Santa Teresa do Menino de Jesus, na rua da Imprensa Nacional. Eu morava na Praça das Flores, ele na D. Pedro V, numa casa fantástica, no último andar, com muita luz e uma vista absolutamente espectacular sobre toda a Lisboa.

O Bernardo era uma pessoa especial, um bom rapaz, sempre o foi, nunca foi um bom aluno, porque era, diziam, aéreo. Mas julgo que não, pois desde miúdo era a maneira de ir recolhendo sinais e influências que mais tarde fariam parte das suas composições.

Conto uma história desse seu lado "aéreo". A escola era católica, por isso fizemos a primeira comunhão lá pelos nossos 7 ou 8 anos de idade. Eu, filho único, era obrigado a ser cumpridor e não faltava à catequese. O Bernardo com 5 ou 6 irmãos, por vezes estava-se marimbando.

Quando chegou o dia da primeira comunhão, na Igreja de S. Mamede, o padre perguntava aos meninos: «de quem gostam mais?». E os meninos "não aéreos", como eu, deviam responder de «Deus e dos pais». Assim o fiz. Chega ao Bernardo, «de quem gostas mais?;«do Rui Cristóvão» (o meu segundo nome). A igreja desatou a rir.

E para lá de um dia que levámos os dois, por um disparate qualquer não nos parávamos de rir, uma valente chapada da Celeste, nossa professora, e fomos castigados com uma hora de pé junto ao quadro, lembro-me das brincadeiras em minha casa e na casa dele.

A casa dele, com imensos irmãos e ainda um dálmata, era um turbilhão. Casa enorme, com imensas janelas, muitas delas abertas em poderosas correntes de ar, era já uma casa de música. A nossa professora de música era a Elisa, sua tia. O Bernardo vinha com os genes de Luis Freitas Branco e recordo o seu pai, descendente de Sidónio Pais.

Era um homem que estava sempre a ler na sala e a ouvir, muito alto, ópera, que fluía por aquela casa onde uma série de miúdos estava em festa, corria por todo o lado, jogava futebol com caricas, brincava às escondidas e ainda do outro lado da casa ouvia outras músicas. Era uma loucura saudável e de boa energia. Uma fonte inspiradora.

Eram os meus pais que hoje mantinham mais contacto com o Bernardo, e ele gostava muito deles. A última vez que estive horas a falar com ele foi num avião. Não estava cheio, vínhamos de Frankfurt, de ligações diferentes, e pedimos para ficar juntos.

Ele continuava igual. Bom rapaz, com o mesmo riso de criança, inspirado e sonhador, ainda acreditava na bondade dos homens. Eu, mais cínico, talvez por não lidar profissionalmente com a arte, mas conviver com o melhor e o pior da natureza humana.

Ele sabia que eu era jornalista e de comunicação. Eu sabia que ele era um génio. Falámos muito de uma paixão comum: o cinema. Mas eu ao pé dele sentia inveja, porque génios há poucos e tão boas pessoas como ele são raras. Que pena que te foste embora Bernardo.

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